quinta-feira, 1 de abril de 2010

Conto - De dar inveja aos santos

Muitas pessoas acham que os dias de chuva são tristes, mas sempre que o cheiro do orvalho invade as minhas narinas em uma manhã chuvosa, meu coração se enche de felicidade. Ás vezes não posso evitar um certo pesar, e mesmo sendo amarga, é uma sensação que aprecio como um vinho raro pelas boas lembranças que me traz.
Tudo começou quando eu cursava o segundo ano do colegial, eu era rápido para fazer os exercícios que os professores pediam e sempre tive muito tempo livre em aula. Um dos meus passatempos era olhar meus colegas de classe quebrando a cabeça, o outro era observar uma menina que sentava do outro lado da sala, debaixo da janela. Seu nome era Renata, fazia uns dois anos que tinha entrado na nossa escola, ela era uma mestiça linda, descendente de orientais, cabelos longos e brilhantes, olhos claros e um jeitinho recatado e tímido que sempre me atraiu.
Embora me atraí-se eu tratava esse sentimento de uma forma platônica, tínhamos uma relação de “pintura em contemplação”, onde ela era o quadro e eu o observador. Ela também não falava muito e tinha poucos amigos, sempre via ela andando com Fabíola, a menina ruiva da classe.
Aquela era uma quinta-feira quente e nublada, assim que a aula terminou fui buscar um livro na biblioteca para fazer um trabalho de literatura, todos já haviam ido embora, menos Renata que esperava pacientemente em frente ao portão segurando a bolsa com as duas mãos de frente aos joelhos. Uma hora eu teria que falar com ela e aquele era o melhor momento, me aproximei e perguntei:
- Renata, está esperando alguém?
Ela se virou como em um susto, parecia estar esperando que alguém falasse com ela, mas podia esperar um pouco mais.
- Estou esperando o meu pai – Respondeu, embora estivesse nervosa sua voz se mantinha serena e angelical – Mas acho que ele não vem.
- Onde você mora?
- Há uns sete quarteirões daqui.
- Eu vou com você.
- Mas... Mas esse não é o seu caminho Douglas, não vou te atrapalhar? – Arregalou os olhos e ficou corada.
- Seria falta de educação te deixar ir sozinha.
E fomos andando, um ao lado do outro, durante duas quadras não trocamos uma palavra sequer, e com certeza à iniciativa não ia partir dela, ainda estava vermelha de vergonha, com a cabeça baixa entre os ombros e segurando a bolsa com as duas mãos na frente dos joelhos. Foi surpreendente que ela tenha feito uma pergunta:
- Vo... Você não precisava me acompanhar, sei que não é esse o caminho que você faz pra voltar pra casa. Por que se ofereceu?
- Não me interessa o caminho, mas a companhia...
Ela me olhou com espanto, mas de certa forma ficou feliz com o que ouviu.
Passamos uma boa parte do caminho conversando, falamos sobre as provas bimestrais que haviam terminado, sobre programas de televisão e outras banalidades.
Faltavam umas duas quadras para chegarmos a casa dela, e estávamos atravessando uma praça onde tinha uma igreja no centro, Renata parou e disse:
- Vem comigo quero te mostrar uma coisa. – Pegou a minha mão e me levou pra dentro da igreja.
- Não sabia que você era católica.
- E não sou.
Entramos e fomos sentar em um dos bancos do centro. A igreja estava deserta, perguntei a ela bem baixinho:
- O que estamos fazendo aqui?
- Eu gosto de vir aqui pra pensar – Respondeu – É um dos poucos lugares onde consigo ficar sozinha e escutar meus pensamentos.
- E sobre o que medita quando vem aqui?
Renata ficou toda encabulada com a pergunta, entrelaçou os dedos e começou a girar os polegares.
- Hum, não sei... Quer dizer... Mil coisas... Escola... Família... Você – O você foi pronunciado de forma quase inaudível, mas em um lugar tão silencioso como aquele não tinha como não ouvir.
- E o que você pensa sobre mim?
Ela ficou com a cara toda vermelha e estava girando os polegares cada vez mais rápido. Percebi que as palavras estavam engasgadas em sua garganta, mas já sabia o que pretendia me dizer. Com uma das mãos virei sua face em direção a minha, olhei atentamente aqueles olhos claros e lhe dei um beijo, Renata tinha lábios muito macios, foi um beijo delicioso. Olhei em volta, levantei do banco e disse:
- Vem comigo.
- O que você vai fazer?
Levantamos e entramos no confessionário, ela me perguntou assustada:
- Você está louco e se pegarem à gente?
- Não vamos ser pegos você disse que ninguém vem aqui.
Depois disso Renata ficou praticamente sem argumentos, sentou no meu colo e continuamos a nos beijar, era muita adrenalina, não resisti à tentação e apertei o seio esquerdo, ela segurou a minha mão com força, pensei que estava tentando me impedir, porém, sem parar de me beijar pegou a minha mão, passou por debaixo da camiseta para que eu pegasse mesmo em seu seio.
Nesse exato momento começou a chover, não sei se os santos estavam chorando pelo pecado que estávamos cometendo, mas acredito que se os deuses fazem amor à sensação era exatamente aquela.
Só não fomos mais longe por que o padre entrou no confessionário nos dando o maior susto, nunca vi um homem de batina tão furioso. Renata e eu pegamos as mochilas e saímos correndo da igreja. Quando parei de correr comecei a gargalhar, Renata não tinha ficado nada contente com a situação e começou a me dar uma bronca:
- Ta rindo de que hein, nunca passei uma vergonha tão grande na minha vida...
Interrompi o discurso dela roubando-lhe um beijo, acredito que foi o beijo mais quente de toda a minha vida, embora estivéssemos ensopados. A chuva acabou no exato momento que separamos nossos lábios. Depois de alguns segundos de silêncio lhe disse:
- Me desculpe, acho que fizemos mal-uso do confessionário, era pra confessar um pecado e não para cometer.
Embora estivesse toda molhada eu pude notar que seus olhos estavam cheios, vertendo lágrimas, não sabia dizer se estava feliz ou se sentia culpada pelo acontecido, continuou sorrindo e se despediu:
- Obrigada por tudo. Mesmo com o susto foi a melhor experiência de toda a minha vida. Daqui eu vou pra casa sozinha.
- Tem certeza, eu posso ir com você até o portão.
- Não quero incomodar mais, você já veio comigo até aqui e me fez tomar o melhor banho de chuva de toda a minha vida.
- Nos vemos amanhã?
Renata relutou em responder a minha pergunta, mas fez que sim com a cabeça e virou a esquina.
No dia seguinte procurei Renata por todos os cantos, parecia que tinha evaporado, nessa busca insólita dei de cara com Fabíola:
- Fabíola, você viu a Renata por aí?
- Vem comigo, precisamos conversar.
Fomos até um lugar mais reservado e lá Fabíola fez a revelação.
- A Renata foi embora Douglas.
- Embora... Como assim embora?
- O pai dela é bancário e foi transferido para outra cidade faz dois meses e só agora ela e a família foram também.
- Entendo.
Fabíola tirou um pedaço de papel do bolso e me entregou.
- Ontem à noite quando a Renata foi à minha casa para se despedir ela me pra te entregar isso.
Era uma carta escrita numa folha de fichário o texto era breve e dizia o seguinte:
- Sinto muito que você tenha de saber dessa forma, mas sempre gostei de você e por ser tímida me aproximar era muito difícil. Essa vontade estar contigo, te tocar foi o que me encorajou, e confesso, foi à melhor experiência de toda a minha vida, se os Deuses fazem amor é isso o que eles sentem. Obrigada, por estar em meus sonhos e nos meus pensamentos, te guardo para sempre em cada gota de chuva que cair, onde quer que eu esteja. Renata.
Às vezes acho que foi melhor assim, não tive tempo bastante para me apaixonar e nem amor bastante para ficar arrasado.
Não foi uma situação fácil, mas guardo apenas o que foi bom de toda essa história, uma experiência que poucos conseguem ter, um momento de paixão de dar inveja aos santos.

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